Camus

Com base numa das crônicas da famosa série "A Caminho do Fundão" que meu professor Godofredo de Oliveira Neto costumava postar em seu mural no Facebook, que transcrevo abaixo, elaborei uma análise e teci comentários sobre ela. Adoro ler suas crônicas pois elas sempre me inspiravam a escrever outro texto, tendo por mote alguns elementos presentes nelas. Sempre foi para mim uma tarefa prazerosa comentar e desenvolver resenhas críticas sobre elas, visto que ele, como escritor tarimbado que é, conseguia condensar em poucos parágrafos toda sua erudição e conhecimento profundo de grandes figuras literárias. E ele é dono de um humor irônico, fino e inteligente, que capta bem todas as nuances da situação que descreve.  

    O excelente dossiê sobre Camus publicado no Prosa do Globo deste sábado e a aproximação do aniversário do autor de O Estrangeiro suscita algumas reflexões. Para o narrador de Camus, mentir não é apenas dizer o que não é; mas, principalmente, dizer mais do que é, dizer mais do que se sente. O personagem de O estrangeiro se recusa a ocultar seus sentimentos. Como Camus publicou logo depois de O estrangeiro o O mito de Sísifo, a crítica em geral leu o romance como a ilustração desse mito. O absurdo do sujeito empurrando a grande pedra morro acima indefinidamente é um sofrimento do espírito nascido do confronto entre o pedido de socorro humano e o silêncio do mundo. A angústia decorre da distância entre os nossos desejos absolutos e o vazio que o universo nos propõe. 
        Para Sartre, a propósito do livro de Camus, o estrangeiro enxerga o mundo através de uma vidraça. Mas certas transparências são paradoxalmente opacas. Barthes, sobre o O estrangeiro, diz que a palavra transparente do autor é ausência ideal de estilo. Através da vidraça, seja em Florianópolis (Nikki) ou em Argel, enxerga-se quase tudo, os gestos, as expressões faciais, só não uma coisa: o sentido desses gestos. Mas há solução. O vidro é a consciência, cabe optar por um que nos abra o espírito.
        Campus da UFRJ hoje a mil, sol rasante, conhecimento florido, eflúvios ainda da aplicação do CELPEBRAS, saberes estrangeiros potencializando o nosso.


ANÁLISE E COMENTÁRIOS DE VERA LÚCIA DIAS

Foi bastante proveitosa a leitura dessa pequena postagem de Godofredo. E bastante oportuna pois dia 07 de novembro se comemorará 104 anos do nascimento de Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura de 1957. O dossiê a que Godofredo se refere pode ser lido clicando aqui. Foi publicado na seção "Prosa e Verso" no dia 02/11/2013 do jornal "O GLOBO". 

Camus foi foi um escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia. Foi também jornalista militante engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra. Na sua terra natal viveu sob o signo da guerra, fome e miséria, elementos que, aliados ao sol, formam alguns dos pilares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor.

Esse autor foi um dos maiores escritores que eu já tive o prazer de ler. Comecei a me familiarizar com sua prosa no meu primeiro ano do curso de Letras na UERJ, quando minha Profª Maria Lúcia Villard, introduziu a turma nos estudos e análise de seus livros e nos pediu para criar artigos com base em dois livros famosos do autor, "A Peste" e "O Estrangeiro" . Desde então, imitando-a, passei a recomendar a meus proprios alunos seus romances clássicos "O Estrangeiro", "A Queda", seu livro de contos "O Exílio e o Reino", o livro de peças "O Avesso e o Direito", além dos viscerais "O Mito de Sísifo" e "A Peste" que já mencionei, não esquecendo do extraordinário tratado político-filosófico "O Homem Revoltado", este responsável por deixar Camus isolado no espectro político de sua época. É uma obra extraordinária.

Albert Camus é um exemplo de pensador que não se rende a ideologia alguma, que se mantém íntegro em suas convicções, que tem a coragem de criticar o que na sua visão está errado, mesmo sendo companheiros, amigos, camaradas, ou adversários, rivais, inimigos. É a capacidade de manter a sua integridade mental livre de submissão, não se corromper jamais, não se deixar enganar, não ceder por interesses ou privilégios, manter sua liberdade - a única liberdade que temos nessa vida, a liberdade mental -, mas isso é para poucos! Pouquíssimos!!! A solidão quase sempre é inevitável! E o ódio de todos a sua volta é terrível! Sem falar nas traições e decepções devastadoras que atingem um ser deste tipo! Além das inúmeras injustiças e acusações que se deve passar, e sabe porquê? Por ter a audácia que eles não tem! É isso!

A meu ver algumas figuras históricas tem essa característica, os cito: Maximilien de Robespierre, Louis Antoine Léon de Saint-Just, François Noël Babeuf e Karl Marx. Dentre os escritores: Louis-Ferdinand Céline, George Orwell e Guy Debord. Em meus 61 anos de existência, não tive o prazer de conhecer ninguém que a meu ver possa se encaixar nessas qualidades, mas o futuro ainda está por vir!

Recordando as leituras destes livros, me remete à lembrança de um trecho de "A Queda" que na época me impactou muito. O personagem passa a noite em uma taverna de Amsterdã bebendo e conversando com diversas pessoas, ao sair na penumbra da madrugada, ele perambula solitário pelas ruas da cidade deserta. Até que ouve o barulho de algo caindo na água, ele olha e assiste de relance o corpo de uma jovem mergulhando na água, e concluí que ela se atirou da ponte, numa tentativa de suicídio? ou assassinato? Então, por um breve momento, tudo se congela e a questão surge em sua mente: Corro e me atiro na água para tentar salvá-la, ou sigo o meu caminho por entre as ruas, solitário na noite fria e escura?

Sim, ele segue em frente, não se arrisca, não quer se molhar, não quer sair da acomodação de sua existência ordinária/medíocre/mesquinha.

No final do livro, uma das características do texto de Camus, mesclar a desgraça e o absurdo, com a ironia esmagadora e trágica, o que é afinal, um resumo da existência humana.

Um viva para a genialidade imensurável desse autor!

"há anos, não pararam de ressoar nas minhas noites e que eu direi, enfim, pela sua boca: "Ó jovem, atire-se de novo na aguá, para que eu tenha, pela segunda vez, a oportunidade de nos salvar a ambos!" Pela segunda vez, hem, que imprudência! Imagine, caro colega, que nos levem ao pé da letra? Seria preciso cumprir. Brr...! A água está tão fria! Mas tranquilizemo-nos! É tarde demais, agora, será sempre tarde demais. Felizmente!

Citações de diversos livros:

"Brutus, que devia se matar se não matasse os outros, começa matando os outros. Mas os outros são muitos, não se pode matar tudo. É preciso então morrer, demonstrando mais uma vez que a revolta, quando é desregrada, oscila da aniquilação à destruição de si próprio."

"A liberdade absoluta é o direito do mais forte de dominar. Ela mantém portanto os conflitos que se beneficiam da injustiça. A justiça absoluta passa pela supressão de toda contradição: ela destrói a liberdade. A revolução para obter justiça, pela liberdade, acaba jogando uma contra a outra. Desta forma, em toda revolução, uma vez liquidada a casta que até então dominava, há uma etapa em que ela própria acarreta um movimento de revolta que indica seus limites e anuncia suas oportunidades de malogro. A revolução propõe-se, em primeiro lugar, satisfazer o espírito de revolta que lhe deu origem; obriga-se em seguida a negá-lo, para melhor afirmar-se a si mesma. Parece haver uma oposição irredutível entre o movimento da revolta e as aquisições da revolução."

"Diante desse mal, diante da morte, o homem, no mais profundo de si mesmo, clama por justiça. O cristianismo histórico só respondeu a esse protesto contra o mal pela anunciação do reino e, depois, da vida eterna, que exige a fé.

Mas o sofrimento desgasta a esperança e a fé, ele continua então solitário e sem explicação. As multidões que trabalham, cansadas de sofrer e morrer, são multidões sem Deus. Nosso lugar, a partir de então, é a seu lado, longe dos antigos e dos novos doutores espirituais.

O cristianismo histórico adia para além da história a cura da miséria e do assassinato, que, no entanto, são sofridos na história."

"Há vinte séculos, a somo total do mal não diminuiu no mundo."

"Uma injustiça continua imbricada em todo sofrimento, mesmo o mais merecido aos olhos dos homens."

"Se os princípios mentem, somente a realidade da miséria e do trabalho é verdadeira."

"Ah, meu amigo, sabe o que é a criatura solitária, vagando pelas grandes cidades?..."

"A morte é solitária, ao passo que a servidão é coletiva."

"Sou ligado ao mundo por todos os meus gestos; aos homens, por toda a minha piedade e o meu reconhecimento."

"Eu me revolto, logo existimos."

"Simplesmente, no dia em que estabelecer o equilíbrio entre o que sou e o que digo..."

"Não desejo mais ser feliz, e sim apenas estar consciente."

"Sem país, sem cidade, sem quarto e sem nome, loucura ou conquista, humilhação ou inspiração, eu iria saber ou me consumir?"

"Truque clássico: eu queria transformar a minha revolta em melancolia."

"Sim, talvez seja a felicidade, o sentimento piedoso de nossa infelicidade."

"Se não se pode aceitar o sofrimento dos outros, algo no mundo não se justifica."

"Por que o mal seria castigado, se temos visto exaustivamente que o bem não é recompensado?"

"Que diferença faz isso, se tudo se aceita?"

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Trecho de um vídeo com Albert Camus

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