RELATOS

Aqui conto um pouco sobre fatos relevantes da minha vida. 

A autora, com 24 anos, em 1980, sentada no colo da colega engenheira-química e grande amiga Maria de Lourdes, quando se tornou a primeira engenheira-química surda profunda a ser contratada para trabalhar no atualmente extinto Laboratório da empresa de Telecomunicações do Rio de Janeiro (1980). Dez anos depois, devido ao seu talento em informática, foi indicada pelo presidente Nelson Souto Jorge  a trabalhar no Depto de Informática da mesma empresa como analista de sistemas e instrutora, onde criou um aplicativo batizado de TEQMASP que foi patenteado pela empresa para controle de qualidade de materiais. Esse aplicativo forneceu uma forma eficiente de combate ao desperdício e controle de orçamento na compra desses materiais.  

ANOS 80 - LEMBRANÇAS DE UM TEMPO DE LUTA E SUAS LIÇÕES

POSTAGEM DE 24/06/2018 - EXTRAÍDA DO FACEBOOK PARA MINHAS ALUNAS DO CURSO EAD DA UNESA
DE LITERATURA BRASILEIRA 

   Querida alunas aqui vai um desabafo da mestra hoje : Eu ja sofri preconceito por causa da surdez em inúmeras situações na minha vida.Perdi a conta das vezes em que as mais variadas pessoas me infantilizaram ou me trataram como uma planta porque eu nao ouvia como elas. 


    Todas vcs sabem que fui engenheira-química antes de me tornar professora.


    Comecei minha carreira como empregada de um grande empresa privada, a extinta TELERJ, onde passei 15 anos no cargo de Engenheira-Química.


   Antes de ser a profissional respeitada que fui, tiver que aprender a lidar da pior forma com o desconhecimento e com o preconceito alheios. Ninguém sabia o que era surdez.  Ninguérn nunca tinha visto um aparelho auditivo e muito menos visto uma surda que falava e ouvia coisa nenhuma. Ninguém sabia o que era acessibilidade. Ninguém sabia como lidar comigo e muito menos  acreditava na minha capacidade. Claro, a imagem deles de uma surda era de uma pessoa deficiente, que precisava de ajuda sempre.


   Meus primeiros anos foram muito duros e sofridos naquele ambiente. E não pensem que minha escolaridade alta me serviu de proteção. Todos achavam que eu estava lá por causa da minha tia ser secretária do presidente da empresa, que ele tinha me indicado para esse cargo pra fazer "caridade" e por respeito à minha tia que era uma empregada muito eficiente e respeitada. Até hoje não sei como não cedi a pressão e pedi demissão. E nunca esqueço de uma colega que me chamou num canto e disse: "Aguenta! Aguenta ! Eu estou aguentando e olha que tenho problema de locomoção (ela mancava de uma perna pois tinha tido poliomielite). Olha eu aqui. Sei que fazem chacota de mim pelas costas, mas não ligo. Se vc aguentar mais um pouco essa indiferença deles logo, logo, eles vão começar a te olhar diferente."


   Se não fosse o incentivo dela eu não teria aguentado mesmo, confesso. No começo me deixavam na mesa do laboratório e não me chamavam pra nada. Eu ficava isolada, me sentia só e chorava no banheiro quase todos os dias no inicio. E não sabia mais o que fazer. E nessas horas amargas aproveitava para ler muito e já que ninguém me dava bola, fugia para a biblioteca da empresa e ficava lá estudando sozinha. Foi então que minha sorte começou a mudar. 

O ENCONTRO COM UM GRANDE MESTRE E INCENTIVADOR : 
DR. SIMON RODRIGUEZ ARRAS ACEBAL 

Eu e Dr. Arras, que se tornou um grande amigo, incentivador e que mudou os rumos da minha carreira na TELERJ.

   Mas aí o tempo foi passando e no fim de um ano , graças à intervenção de um grande amigo, o Prof. Simon Rodrigues Arras Acebal (O SENHOR QUE APARECE COMIGO NA FOTO), que veio a se tornar meu chefe direto, um grande professor e engenheiro-químico, foi que meus colegas começaram a me pedir serviço e confiar na minha capacidade. E verem que a surdez não afetava meu desempenho profissional.

   O tempo passou, as pessoas perceberam que o preconceito por causa da minha surdez uma coisa muito feia e passaram a me compreender melhor como ser humano e entender que isso não me incapacitava a pensar e tomar decisões profissionais corretas. Aí tudo mudou. 

   Tenho orgulho de olhar para trás e ver que todos os colegas, no final, haviam se tornado meus amigos. Na minha festa de despedida, quando me desliguei da empresa para seguir minha nova carreira de funcionária pública concursada (passei em terceiro lugar) do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e professora universitária dos cursos de Letras e Análise de Sistemas na Estácio, chorei com o discurso lindissimo que a minha chefe na época fez para mim, relembrando meu inicio lá. Foi um baita aprendizado, sai desse emprego cascuda e pronta para qualquer outro desafio que viesse.

   Hoje estou aposentada e com um novo desafio : terminar o doutorado que tive que interromper por motivo de saúde. E enfrentar a batalha de concorrer com pessoas até mais novas do que eu. Mas sei que mais uma vez sairei vitoriosa. Pois quem já atravessou o inferno não pode temer mais nada, não é mesmo queridas alunas ? Tenho a meu favor a maturidade e uma longa experiência profissional.Espero encontrar algum dia vcs todas, queridas alunas,  lá na UFRJ daqui a 4 anos . A UFRJ é , de fato, uma das melhores universidades do país e torço para que vcs a frequentem como eu fiz. E se isso não se concretizar estarei feliz do mesmo jeito. Pois ajudarei a cada uma de vocês a chegar lá. Estamos aqui nesse mundo para servir. Encaro o futuro agora sem medo e certa de que toda essa estrada percorrida serviu de base para o que enfrentarei agora. Que venham os desafios !

Administradora Reponsável : Vera Lúcia Lopes Dias
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